Se setembro sempre chega, fevereiro também. No próximo dia 7 de fevereiro, em Tampa, Flórida, haverá a 55ª edição do Super Bowl, com uma audiência estimada em mais de 100 (isso mesmo, cem) milhões de pessoas. Desta feita, Kansas City Chiefs e Tampa Bay Buccaneers se enfrentarão na grande final, carregada de simbolismos e de pontos de interrogação.

Ao longo dos próximos dias, nossa equipe de jornalismo se encarregará de trazer fatos e análises sobre esse evento que atrai a atenção de cada vez mais pessoas e anunciantes no Brasil – que, aliás, já é o terceiro maior mercado consumidor da NFL, atrás apenas do México e da terra do Tio Sam. Vou logo adiantando: tem um material muito bom sendo produzido para vocês, nossos leitores, apreciarem.

Contudo, não deixem todos aqueles algarismos romanos atrapalharem vocês, caros leitores. Por trás das últimas cinco décadas e meia já existia uma liga de futebol americano que, contra todas as dificuldades, nasceu e se estabeleceu desde sempre como a maior liga esportiva dos Estados Unidos. Este texto conta a história da primeira vez do jogo mais famoso de todos da Liga dos 32.

Mas, antes, rolem a tela que lá vem (muita) história.

ORIGINAL

Foi em 1920 que tudo começou: em uma concessionária de veículos(!) na pequena cidade de Canton, Ohio (sim, esse é o motivo do Hall da Fama estar localizado lá), representantes de quatro equipes do estado formaram uma conferência para disputar futebol americano profissionalmente: a American Professional Football Conference (APFC).

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No começo, o futebol americano era praticado sem uma liga central que organizasse tudo

Vale lembrar que o futebol americano já tinha partidas disputadas desde a década de 1860, no conhecido (e amador) college football. Mas após o final da carreira universitária não havia nenhuma estrutura onde os jogadores pudessem continuar a disputar partidas de forma organizada, amadora ou profissionalmente. No nordeste e no meio-oeste americanos do começo do século XX, cada estado tinha sua própria liga e muitas regras adaptadas localmente. Resultado: ninguém se entendia.

Tendo como fundadores Akron Pros, Canton Bulldogs, Cleveland Indians – não a mesma franquia do beisebol – e Dayton Triangles, a APFC foi criada para tentar colocar um pouco de ordem na bagunça. A ideia pegou bem a ponto de, já no mês seguinte e com representantes de mais três estados (Indiana, Illinois e Nova York), a APFC se tornou a American Professional Football Association (APFA).

Nessa reunião haviam representantes de dois times que você já deve ter ouvido falar: Decatur Staleys e Chicago Cardinals. Não? Talvez seja porque eles mudaram de nome (para Chicago Bears, em 1921) e/ou de cidade (os Cardinals jogaram em Illinois até 1960, se mudaram para St. Louis até 1987, quando finalmente migraram de vez para a região de Phoenix, assumindo o nome de Arizona Cardinals).

Fundado em 1919, o Green Bay Packers já existia como um time independente, tendo-se juntado à APFA em 1921. Por sua vez, a APFA mudou de nome para National Football League (NFL) em 1922.

A liga nascente enfrentou toda sorte de dificuldades: jogou até dentro de arenas de circo. Enfrentou desde intempéries até uma crônica falta de dinheiro por anos a fio. Apesar disso, resistiu bravamente e, aos trancos e barrancos, foi se consolidando como uma das paixões dos americanos e suas tardes de domingo diante do rádio e depois da TV.

Até que um simples “não” mudou tudo.

LAMAR HUNT E A AFL

Às vezes um “não” é tudo o que você precisa para construir seu próprio “sim”. Foi o que aconteceu com Lamar Hunt (1932-2006), empresário nascido no estado do Arkansas mas criado em Dallas, Texas. Fanático por esportes e negócios, foi particularmente empenhado em juntar as duas coisas.

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Lamar Hunt tem seu nome gravado na história do esporte

Hunt fundou, co-fundou, investiu, promoveu e possuiu franquias e campeonatos de diversos esportes: futebol americano, tênis, basquete, hóquei no gelo e inclusive o nosso futebol (ajudou a fundar a MLS e chegou a ter três franquias lá). Foi introduzido ao hall da fama do futebol americano, do tênis e do futebol. Uma história e tanto.

Um dia, em 1958, Hunt foi convidado a assistir a final da NFL (o que hoje seria a NFC) entre New York Giants 16 – 27 Baltimore (hoje Indianapolis) Colts – um jogo que ficou conhecido na época como “The Greatest Game Ever Played” (“O maior jogo já disputado”). Saiu de lá tão fascinado que decidiu ter sua própria franquia para disputar o campeonato.

Primeiro tentou comprar uma. Tentou várias vezes comprar e relocar os Chicago (hoje Arizona) Cardinals, mas sem sucesso. Depois, bateu na porta da NFL e tentou insistentemente que a liga lhe concedesse uma franquia de expansão. Ouviu outro sonoro “não”.

Inconformado, Hunt foi à caça. Juntou outros investidores (entre eles, haviam alguns que queriam levar uma franquia para Oakland) e co-fundou a própria liga de futebol americano, a AFL. Ajudou a estruturar a liga nascente, arrumou cobertura televisiva da emissora NBC (a NFL era transmitida pela CBS) e começou a construir e encher estádios, crescendo sem parar – tanto que virou uma pedra no sapato da NFL.

Até que, em junho de 1966, já com o negócio estruturado e depois de fazer a NFL perder continuamente o sono e a audiência, Hunt co-conduziu a fusão entre as ligas, a famosa AFL-NFL Merger, que deu origem à NFL como a conhecemos hoje. A partir de 1970, as ligas seriam fundidas em uma só, que manteve o nome de NFL. As ligas anteriores virariam as conferências de hoje.

Como regra de transição entre 1966 a 1969, haveriam quatro temporadas para as duas coexistirem, sendo que já ao final delas os campeões de cada uma se enfrentariam em um jogo único, em um estádio previamente escolhido pela liga nascente.

Aquele que todos conhecemos na atualidade como Super Bowl, mas que só recebeu de fato esse nome a partir de 1970. No entanto, todos os jogos desde a fusão são reconhecidos como Super Bowl.

GREEN BAY PACKERS

Por sua vez, os Packers têm sua própria definição de “comunidade”, estando intimamente ligados à história de Green Bay, cidade no estado de Wisconsin, com cerca de cem mil habitantes e cuja região metropolitana passa pouco dos trezentos mil.

Parece pouco, mas não se deixe enganar quanto ao tamanho: os moradores são absolutamente ensandecidos quando se trata dos Cabeças de Queijo, constituindo a única franquia de qualquer esporte americano de elite que, simplesmente, não tem dono: apenas cotistas, boa parte locais, como uma corporação bem-sucedida de 3,05 bilhões de dólares (segundo o ranking da revista Forbes de 2020).

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Até o brasão da cidade de Green Bay possui o logotipo dos Packers

A paixão é tanta que extrapola o esporte: o logotipo do Green Bay Packers está no brasão oficial da cidade. E isso tem um grande motivo: quando se trata de títulos da NFL, ninguém tem mais taças do que os Cabeças de Queijo: são treze no total, sendo nove antes e quatro depois do Super Bowl, inclusive os dois primeiros.

KANSAS CITY CHIEFS

Lembram de Lamar Hunt? Pois foi ele quem fundou o Kansas City Chiefs. Inicialmente baseada em sua Dallas com o nome de Texans, em 1960, a franquia deveria mandar os jogos no estádio Cotton Bowl. Depois da queda de braço para criar a AFL e as dificuldades iniciais de toda franquia, o futuro parecia promissor. O que poderia dar errado?

Nada, a não ser o nascimento de uma outra franquia de expansão da NFL na mesma cidade e que até então só tinha um estádio de mesmo porte: Dallas Cowboys. Após três anos dividindo o estádio e as bilheterias locais, ficou claro para Hunt que aquela cidade era pequena demais para os dois. E decidiu relocar sua franquia.

Após reduzir suas opções entre Atlanta e Miami, Hunt recebeu uma proposta inesperada do prefeito de Kansas City, Harold “The Chief” Bartle, que propôs que a franquia se mudasse para o Missouri. Prometeu mobilizar toda a cidade para que suas bilheterias fossem triplicadas em relação aos números de Dallas (chegaram a colocar mais de 24 mil pessoas no Cotton Bowl). Para isso, ofereceu até ampliar o estádio municipal sem que Hunt tivesse que colocar a mão no bolso.

Hunt pensou por alguns dias e finalmente concordou com a mudança. No entanto, percebeu logo que não fazia muito sentido manter o nome Texans no estado que os receberia. Assim, aproveitando a mudança e o apelido do prefeito, mudou o nome da franquia para Kansas City Chiefs. O resto é história.

Curiosidade: Sabe aquele “A” estiloso que aparece nas jerseys do Kansas City Chiefs? É uma referência justamente ao fato de Hunt ter sido o principal arquiteto da criação da AFL e sua posterior fusão com a NFL.

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